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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Carta de amor de uma criança


Eu ofereci um anel de plástico que vinha naquele chiclete e ela não quis, e olha, eu dei com o chiclete junto. Achei que a idéia tinha sido genial, mas não deu certo. Depois, comprei um drops de bala de caramelo da Nestlé, que era o gosto mais maravilhoso que eu já havia sentido na vida, era mais prazeroso que o videogame que eu não tinha e mesmo assim, ela não me deu atenção. Eu fiquei receoso de gastar todo o meu dinheiro, mas eu tinha que chamar a sua atenção. Então, tive que comprar o doce que mais gostava e era caro. O chocolate surpresa da Nestlé. Eu queria completar a coleção Shows da Natureza e estava sendo um grande sacrifício para mim, dar aquele presente para ela, pois como eu demorava muito a comprar o chocolate, a coleção mudava e eu nunca terminava, mas não mudei de idéia, pois ela merecia.

Eu nunca soube muito como falar, mas eu sempre mostrei e dei para ela as coisas que mais amava, que mais me deixava feliz e queria que ela sentisse o mesmo que eu. Pensei em escolher alguma coisa diferente, pois talvez, ela não teria o mesmo gosto que eu. De cara, descartei as balas de tamarindo, pois uma vez me engasguei com uma delas e quase morri, e todo mundo dizia que a Soft também era muito perigosa, eu tinha certeza que ela gostava de Dipnlik, mas eu odiava e eu não dava algo que odiava para ninguém.

Nessa época, eu colecionava um álbum de figurinhas que quando a gente completava o desenho, ganhava o brinde que se formava e eu estava louco pela bola de futebol, pois eu não sabia jogar e se eu fosse o dono da bola, talvez os meus amigos me chamariam para brincar.

Mas eu já estava sem dinheiro para comprar mais pacotinhos e tinha seis de nove da bola. Os outros brindes estavam quase completos, porém não me interessavam muito.
Até que eu fui folheando e percebi que tinha um brinde que havia passado desapercebido, mas que tinha 2 figurinhas de 3 e era um daqueles prendedores de cabelo que não sei exatamente o nome, mas que toda menina usava, inclusive a que eu era apaixonado.

Eu bolei mais uma vez o meu plano sensacional e fui por em prática. Eu estava feliz, pois poderia dar um presente que ela iria gostar de verdade e minhas chances iriam aumentar.

Meu pai viajava muito e minha mãe ficava em casa cuidando de mim e eu sabia que ela tinha pouco dinheiro, mas mesmo assim eu pedi para ela uns trocados e como há algum tempo eu não pedia nada, ela acabou me dando algumas moedas. Eu fui saltitando pela casa, olhando as moedas e com um brilho enorme nos olhos e chegando perto do portal da saída de casa ela gritou: - “Eu te dei essas moedas, mas nem pense em comprar figurinhas, menino”.

Que droga, estava tudo dando certo, mas eu não ia questionar a minha mãe, ainda mais sabendo a dificuldade que a gente passava. Mas eu sempre tinha idéias boas e sabia que iria resolver aquele problema. Até que então me veio uma idéia, não sei de onde, mas que daria para resolver o meu problema.

Eu fui no depósito de doces e comprei um saco com seis Laranjinhas. Duas de uva, duas de laranja e duas de morango. Voltei todo feliz pra casa e coloquei as seis no congelador, pois comprando quente, saía mais barato. Logo depois, procurei o isopor velho que meu pai usou um tempo para vender picolé na praia, limpei ele todo e deixei separado para o dia seguinte, pois iria vender as laranjinhas e aí o dinheiro seria meu e eu não precisaria gastar o que a minha mãe me deu.

Como sempre fui muito desligado, não tinha noção das horas, não tinha relógio e minha mãe controlava todos os meus horários, eu cheguei na frente da escola e os alunos já haviam entrado e eu não sabia se eu tinha chegado perto do inicio das aulas ou se já estava perto da saída dos alunos, então eu fiquei sentado esperando... esperando e esperando. Acho que nunca fiquei tanto tempo no mesmo lugar na vida, era uma ansiedade muito grande, eu tinha que vender as laranjinhas para conseguir o dinheiro das figurinhas e por que elas já estavam derretendo.

Os alunos saíram e eu não tive muito trabalho para vender as laranjinhas, eu vendi só cinco, pois como gostava muito da laranjinha de uva e acabei chupando uma, mas o dinheiro do lucro dava para comprar um pacotinho de figurinha mesmo assim. Na volta para casa, passei direto na banca de jornal e comprei um pacotinho de figurinhas e voltei correndo para casa. Chegando em casa, guardei o isopor na área, fui pro meu quarto, peguei meu album e deitei na cama. Abri o pacotinho e não tive uma supresa muito boa, pois duas figurinhas eram repetidas, uma era de um outro brinde que não queria e uma era da bola, era para eu estar feliz, mas eu queria agora, o presente da minha desejada namorada.

Fiquei muito triste, percebi que a sorte não estava do meu lado e algumas lágrimas começaram a cair dos meus olhos sobre o album, até que minha mãe entrou no quarto e me perguntou: -“Meu filho, o que houve com você, peraí, eu não tinha falado para você não comprar figurinhas?”, eu respondi, -“Eu não comprei com o dinheiro que você me deu mamãe, eu vendi laranjinha para comprar as figurinhas, mas eu estou triste por que não consegui completar”.

A minha mãe ficou comovida com a situação e me deu dinheiro para comprar 3 pacotinhos e aí disse que eu poderia comprar mais um com o dinheiro que sobrou. Eu fiquei muito feliz e fui correndo na banca comprar os pacotinhos. Chegando em casa, entrei no meu quarto e antes de abrir o primeiro, fechei meus olhos e pedi a Deus que me desse aquela figurinha que faltava. Nossa, foi mágico, no primeiro pacotinho, a figurinha apareceu, eu nem quis abrir os outros, colei no album e fui direto na banca trocar meu brinde.

Eu estava realizado, como criança e como um apaixonado, eu tinha conseguido o que eu queria, comecei a pensar que aquele amor que eu sentia, valia a pena, que ela me fez conseguir coisas que antes, nunca pensei que pudesse fazer.

Peguei o prendedor de cabelo, guardei na minha lancheira do he-man, com todo cuidado e fui tomar banho, para que desse a hora de eu encontrar com ela e entregar o meu presente.

Depois do banho, pedi para minha mãe escovar meu cabelo, que era uma coisa que eu odiava fazer, mas todo mundo que via achava bonito e apertava a minha bochecha, então achei que seria bom que ela me visse assim também.

Fui para a rua com o presente no mesmo saquinho transparente em que ele veio e fiquei esperando ela passar. Demorou um pouco mas ela passou, foi tudo muito rápido, eu ofereci o presente, ela olhou, pegou, deu um sorriso, agradeceu e foi embora com outra amiguinha, eu quase morri de vergonha, mas me senti orgulhoso por tudo que havia dito.

Havia uma explosão de sentimentos dentro de mim, eu nunca tive aquelas sensações, era bom, era estranho, eu estava sentindo o que era a vida naquele momento. Pelo menos era aquilo que eu pensava.

Depois de algumas horas, em frente a minha casa, ela veio em minha direção e eu fiquei em transe, não sabia como iria agir, mas ela veio com a prendedor de cabelo na mão, ele estava em dois pedaços e disse: -“Toma aqui essa porcaria vagabunda que você me deu que já quebrou e que não serve para nada e vê se pára de me dar coisas que não presta.”. Logo em seguida, ela colocou o prendedor na minha mão, virou de costas e foi embora. Eu olhei para os lados, para ver se não tinha ninguém vendo aquilo, depois eu inclinei um pouco a cabeça para baixo e congelei meus olhos, parecia que o céu estava ficando nublado, eu dei um sorriso e uma lágrima caiu do meu olho direito. Fiquei parado enquanto aquela lágrima descia pelo meu rosto, até que ela encostou nos meus lábios e eu despertei de tão salgada que ela era.

Quando entrei em casa, chorei um pouco no meu quarto, depois de algumas horas, não estava mais triste, eu estava conformado, pois eu tinha feito tudo que pude e percebi que ela realmente não era para mim, ou eu que não era para ela. Me senti bastante aliviado e realizado, pois tinha certeza de que o valor do meu amor era formado pelos meus sentimentos e não pelas atitudes dela.

Algum tempo se passou e eu continuei convivendo com ela na mesma rua, porém, como não estava mais apaixonado, já estava começando a enxergar os seus defeitos e ela havia ficado feia para mim. Mas havia descoberto mais uma coisa na vida e chamavam ela de superação.

Hoje em dia, não lembro mais do seu nome, nem de como é o seu rosto, muito menos para onde foi morar. Eu estou bem mais crescido e percebi que meu amor continua da mesma forma: feito de mim, singelo e inocente, sem aqueles doces e as brincadeiras antigas.

Ah, eu descobri também, que o que eu mais amava mesmo, era ser criança.

5 comentários:

André Detéc® disse...

otimo texto... comovente!

Mayara disse...

Lindo demais! Parabéns!

Anônimo disse...

nossa me comoveu bastante

Anônimo disse...

Muito bom, adoro os seus textos e fica uma sugestão: postagens mais frequentes. Sempre venho ver o que há de novo. Beijos

Cynthia Carvalho disse...

Anderson, o texto é doce e lindo como uma criança. Amo e admiro sua sensibilidade e a capacidade que você tem de expressar isso de forma tão especial. De uma coisa eu tenho certeza: esse livro sai! Bjs de uma amiga que te admira muuuuuito!